A Abundância não é Sustentável

Não é fácil para um taurina admitir, mas a abundância não é sustentável.
A abundância era quase um mantra pessoal. Desejava para mim mesma, para os familiares, ao porteiro, para desconhecidos na rua com quem trocava efêmeras palavras e olhares.
Abundância! Entoava.
Gratidão! Recebia.
A abundância é que nem o outono, de Lughnasadh ao Samhain. É a época da colheita, do merecimento, de ver todo o trabalho do resto do ano render frutos. Jantares aconchegantes com o amado; festas intoxicantes com os amigos. A abundância é uma delicia. Nos lembra da realização de um trabalho bem feito e suas recompensas.
Mas existe o inverno, para que Cora possa se descobrir Perséfone.
Há o momento do verão, do brilho do leão.
E a primavera *[talvez minha predileta]* quando as cerejeiras fazem amor com o sol e se apaixonam por elas mesmas.
O problema se coloca na mesa quando a abundância, em si, vira o único elemento motivador do processo. Passamos a ignorar o mérito de um trabalho com ética, do conforto de deitar na cama depois de um dia não de colheita, mas de semeadura, de doação, de entrega e de serviço. Nem se fale de uma dia de introspecção e inspiração.
Essa mentalidade gera a famosa [os fins justificam os meios]. Aceitamos empregos não condizentes com nossos talentos. Pior, nos submetemos a trabalhos que atuam contra nossos valores e virtudes. Ela cria uma falsa sensação de impotência e anula a auto-responsabilidade em prol do automatismo e da desumanidade. Vendemos nosso tempo, nossa vida, à um único fim, o acúmulo.
Em uma sociedade que preza a abundância, o pouco de vários é justificado pelo muito de alguns. Vendemos a falsa ilusão de produção eterna com recursos limitados. Se você trabalhar o suficiente, se você se esforçar, você terá a colheita constante. Só esquecem de avisar que essa colheita tem um fator determinante – os recursos naturais de nosso planeta. O crescimento não é eterno. Um modelo que só funciona com essa premissa acaba, inevitavelmente, se esgotando. Ano passado, o Overshoot Day, o dia em que atingimos o limite de uso de recursos naturais do planeta, foi atingido no final de julho. Estamos consumindo quase o dobro do que a natureza nos permite anualmente. E ela não aceita pagamentos em crédito parcelado.
Pior, consumimos além do possível, e mesmo assim, a maior causa de morte planetária continua sendo a fome.
Uma promessa de rei de ouros instaurada em uma estrutura de sete de paus.
Em uma carta aberta para o jornal de moda americano Women’s Wear Daily, o estilista Giorgio Armani comenta:
“Uma reflexão sobre o absurdo da situação atual das coisas, com a superprodução de vestuário e um desalinhamento criminoso entre o clima e a temporada comercial é corajosa e necessária… essa crise é uma oportunidade para desacelerar e realinhar tudo; para definir um cenário com mais significado.”
A pandemia conseguiu o que ativistas ao redor do mundo tentam fazer há anos – estourou a bolha da sustentabilidade.
Mostrou que conseguimos nos unir, tomando decisões drásticas e imediatas quando nossos líderes políticos enxergam importância no mesmo.
Evidenciou que há cura para a poluição e que, dada a chance, o mundo se regenera muito mais rapidamente do que imaginávamos.
O que fica evidente é que a sustentabilidade não se trata apenas de migrar para o orgânico e perguntar quem fez minhas roupas. Os desafios, o problema, são muito mais embaixo. A insustentabilidade da nossa sociedade não vem apenas em como, mas sim no por quê. Nossas estruturas de base são desalinhadas com a realidade do nosso planeta. Não existe sustentabilidade sem admitirmos que são os modelos sistêmicos em si que tem de mudar.
Não existe uma guerra entre a economia e a saúde.
Isso é uma gaslighting escancarado, um desvio de atenção, um último apelo de um sistema que não nos serve tentando guiar a conversa.
A economia deveria garantir a saúde.
A economia é nossa ponte para o bem estar.
A economia é nosso manifesto humanitário.
Mas cabe a nós escolhermos, defendermos e construirmos um sistema econômico condizente com a humanidade.
Temos de nos reorganizar. E temos de nos responsabilizar.
Precisamos de um novo modelo que incentive, não a abundância, e sim a prosperidade.
Se a abundância é o outono, a prosperidade é a floresta. Um sistema complexo e interligado, que compreende a importância da abelha que fertiliza, e da larva que decompõe. Ela age em sintonia com o tempo, acolhendo os processos da terra: seu momento de descanso, de adubo, de semear, de crescer e de colher. Se insere no ciclo, e vê sua realização na fluidez das estações.
Dentro da prosperidade, temos o momento da abundância, da realização e da beleza. Mas sua força vital não se assenta em sua realização. Sua movimentação é guiada para a manutenção do ciclo da vida. Ela entende a verdade que falta em nossa sociedade:
Ubuntu; eu sou porque nós somos
O preceito capitalista de que o homem é egoísta não está errado. A vida é sagrada, e age com o intuito instintivo e automático de se preservar. Porém, o que esse conceito falha em assimilar é que o egoísmo é compatível com o cuidar do outro, desde que ele compreenda, profundamente, que o outro é uma extensão de si. É enxergar que nenhum indivíduo é capaz de desempenhar todas as atividades das quais nos beneficiamos na sociedade contemporânea. Cada ator tem sua importância. O bem estar dele possibilita que esse serviço seja bem executado, e que a sociedade como um todo saia no proveito.
Tenta você viver o conforto moderno em um episódio de Largados e Pelados.
Eu dependo dos outros na sociedade. Eu dependo do trabalho do cozinheiro, da eletricista, do médico, da gari, da fazendeira, do vereador, do encanador, da mãe, do pai, da atleta, do artista, do professor… somos interligados. E o bem-estar de cada um traz harmonia, equilíbrio e ordem para nossa sociedade.
Ubuntu; eu sou porque nós somos
A prosperidade enxerga a magya no potencial do florescer.
Agora resta a dúvida… como organizar uma sociedade com a prosperidade em seu centro? O que é, de fato, prosperar?
Nós temos nossos palpites… nossa intuição… nossos estudos… e vamos dividindo com vocês ao longo dessa nossa jornada para o digital.
Mas quero saber de você.
Que iluminação te vem?
Coe um café, fatie uma goiabada e nos diga… como você quer prosperar?
Teremos de viver com menos e mais
: menos ganância,
menos desperdícios,
menos arrogância, entre outros e
-mais consciência sobre a Terra,
mais respeito ,
mais amo!
Texto excelente!!